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Arbitramento de preço pela Receita Federal – Ausência de elementos probantes – Estudo de caso

14 de outubro de 2022

A partir de hoje começarei uma série de estudos de casos aduaneiros e tributários, visando orientar operadores do comércio exterior, especialmente despachantes aduaneiros e advogados que pretendem militar na área.

Começarei por escrito e muito em breve postarei vídeos no meu canal no Youtube.

Em respeito ao Código de Ética da OAB (art. 33, II), saliento que farei apenas estudos de casos, o que não quer dizer que seja um caso sob minha jurisdição ou de qualquer colega. Essa é uma cautela que tenho e que a maioria dos advogados e grandes bancas de advogados não tem.

Ainda mais, no caso em pauta sendo da esfera administrativa, sequer seria obrigatória a atuação de advogado no caso, por não ser jurisdição obrigatória de atuação de um colega.

O intuito é demonstrar que existem possibilidades jurídicas de atacar arbitrariedades criadas pelo Governo Federal, especialmente pelo Fisco.

Vejamos o primeiro caso, que trata de arbitramento de preço pela Receita Federal com ausência de elementos probantes suficientes a sustentar a acusação fiscal, que acabou por anular a autuação.

Trata-se de autuação lavrada em despacho aduaneiro de importação. Foram importados 148 receptores GPS e 78 coletores de dados. Valor total dos bens de USD 19.500,00 ou R$ 95.000,00 na época dos fatos.

Foram revalorados bens, por arbitramento de preços, pela Receita Federal, retendo os bens.

Sobrevieram as seguintes penalidades:

  • Multa por subfaturamento dos preços das mercadorias – 100% sobre a diferença entre o preço declarado e o arbitrado
  • Multa por informação inexata – 1% sobre o valor aduaneiro de todos os bens – declarados ou não
  • Multa qualificada – 150% sobre a totalidade ou diferença dos impostos de todos os bens – declarados ou não

Assim, o crédito tributário apurado, de valor milionário (R$ 1.800.000,00), foi composto pela diferença de todos os tributos aduaneiros mais as multas já citadas, sem que se aplicasse perdimento, já que o Fisco não constatou fraude.

Houve perícia apenas de assistente técnico da Receita Federal.

O principal ponto equivocado do laudo pericial, foi não ter mencionado a inexistência de software no receptor importado. O valor de um hardware é infinitamente inferior ao do software. Os aparelhos vieram sem software instalado.

Por sua vez, a coletadora de dados só trabalha integrada com o receptor. Sem uma receptora funcional, a coletadora não serve para nada. O perito da RFB sequer ligou os aparelhos para constatar existência de software.

O caro é o software. E ele pode ser baixado e comprado pela web. Não precisa vir instalado no aparelho, que é extremamente barato.

Assim, o Auditor Fiscal buscou preços dos produtos na web com o software instalado, supervalorando os valores dos bens. Um erro gigantesco que levou à anulação da autuação. É a eterna mania do fisco em buscar preço em sites na web. Pior investigação que essa só as do incompetente detetive de polícia Frank Drebin (Leslie Nielsen) em “Corra que a polícia vem aí”.

Logo, foram alegados pela empresa importadora/impugnante:

Que no caso dos autos inexiste comprovação de fraude, senão seria proposta a aplicação da pena de perdimento;

Que, o procedimento de controle de valoração só pode ser feito após o despacho aduaneiro de importação e pela RFB de jurisdição da sede do contribuinte; em respeito à IN 327;

Que, a multa de 100% somente deve ser aplicada quando fique caracterizada a existência de má-fé. Inexistindo falsidade documental, a pena de multa a ser aplicada é diversa (artigo 108 do Decreto-lei n° 37/66);

Que, a multa qualificada não pode ser aplicada em razão da inexistência de fraude, sonegação ou conluio;

A Delegacia da Receita Federal de julgamento, decidiu pela improcedência da autuação, vencendo o importador, já que autoridade fiscal não logrou carrear aos autos fundamentos e elementos que demonstrassem, de forma insofismável, a prática de fraude que permitisse o arbitramento do preço das mercadorias importadas.

A autuação, apesar dos argumentos apresentados no auto de infração, acabou por se prender somente no plano dos indícios, os quais permitem o aprofundamento da fiscalização, mas não se mostram com força para ser usado como prova indiciária, haja vista que os elementos efetivamente existentes nos autos não atestam a comprovação da conduta ilícita, principalmente em face do que dispõe a legislação específica e relacionada a matéria valoração aduaneira.

Portanto, diante da ausência de um conjunto consistente provas diretas ou de indícios convergentes levantados pela fiscalização, restou caracterizado que a autuação não poderia prosperar, eis que dos autos não se extraíram elementos suficientemente adequados a comprovar a hipótese de infração apontada pela fiscalização.

Assim, em razão da inexistência de provas de que o preço declarado tenha sido divergente do efetivamente praticado; em razão da falta de previsão legal que autorize o arbitramento de preços sem a comprovação objetiva de fraude, sonegação ou conluio; em razão de todos os motivos apresentados e dos fatos presentes no caso concreto, a autuação foi anulada.

Portanto, foi publicada a seguinte ementa:

“Assunto: Obrigações Acessórias

Data do fato gerador: 28/06/2021

ARBITRAMENTO DO PREÇO. VALORAÇÃO ADUANEIRA. PROVAS. A valoração aduaneira das mercadorias deve ser realizada em sintonia com o Acordo de Valoração Aduaneira, ressalvadas as hipóteses de fraude, sonegação ou conluio, quando então o arbitramento do preço poderá ser realizado, respeitados os limites previstos na legislação de regência. A ausência de elementos probantes suficientes a sustentar a acusação fiscal, cujo ônus da prova incumbe à Administração Pública, por ser fato constitutivo de seu direito ao crédito tributário, importa em improcedência do respectivo auto de infração. Impugnação Procedente. Crédito Tributário Exonerado.”

Em síntese, o auditor fiscal pecou pela falta de cautela, sendo negligente na angariação de provas que sustentassem as alegações, especialmente que dessem amparo à valoração.

A autoridade de primeira instância (Presidente de Turma da Delegacia de Julgamento da Receita Federal do Brasil) somente recorreria de ofício ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) se o valor do auto fosse superior a R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais). Como o auto era de R$ 1.800.000, não haverá recurso em favor da União, transitando em julgado em favor do contribuinte.

Artigo produzido por: ROGÉRIO ZARATTINI CHEBABI

Professor e Advogado (OAB/SP 175.402) rogerio@chebabi.net